AROMÁTICAS DIPLOMÁTICAS

AUTONOMIA

Do grego auto “eu, próprio, o mesmo” e do proto-indo-europeu nem “desig-nar, consignar”. Capacidade de auto-organização e de elaboração de leis, regras ou princípios regentes intrínsecos, próprios do corpo que gere, sem submissão ou subordinação a entidades externas. Capacidade de gerir energia de forma eficaz e de a empregar em processos que mantêm o corpo autónomo, o que não é necessariamente incompatível com a autonomia de outros corpos e suas leis.

INDEPENDÊNCIA

Negação daquilo que é relativo a spen, proto-indo-europeu para “pendurar, esticar”, no sentido de estar fisicamente ligado a algo ao qual se pendura, pressupondo a possibilidade de separação radical entre objetos, sendo então supostamente possível que um objeto esteja desrelacionado com outros ao ponto de não depender deles. Estado de existência essencial e exclusiva na qual qualquer corpo pode existir excluindo entidades, corpos, agências ou processos que são externos ao corpo independente.

INTERDEPENDÊNCIA

Relação de dependência mútua entre diferentes elementos, na qual, todos os elementos de um sistema interferem em diferentes graus com o funcionamento e com a própria constituição de todos os outros, de forma que não podem existir ou funcionar de maneira isolada.


Ao entrar neste patamar encontramos labaças, azedinhas, ansarinas, urtigas, parietárias, malvas, bredos.

“A parietária é para... A minha mãe tomava muito chá desse, eu não.” - L

“Eu bebo, olha, ainda agora acabei de comer a sopa de urtigas. Comi ontem, dois pratitos, e acabou hoje. Daqui a pouco apanho-as outra vez...” - M

Plantas espontâneas, que completam o seu próprio ciclo de reprodução. Emergem da semente, crescem vegetativamente, criam flores, recombinam genes, e produzem novas sementes. Estas caem na terra e, em condições favoráveis, germinam. O ciclo repete-se, havendo uma adaptação às mudanças externas, geração após geração. As plantas espontâneas não necessitam do nosso cuidado direto, não nos dão trabalho. São autónomas, e vivem fora do nosso controlo, o que as leva muitas vezes à sua exclusão dos espaços humanizados. Mesmo assim, continuam a oferecer-nos nutrientes, enquanto regeneram as terras perturbadas por distúrbios graves.

Porém, não há espécies independentes. Mesmo as plantas mais autónomas dependem de polinizadores, que dependem, por sua vez, de um ecossistema complexo que os sustenha. Na verdade, também não há plantas espontâneas. Elas não aparecem do nada, ou sem razão. Tudo tem a sua causa e a sua antecedência. No entanto, há plantas prováveis. Aparecem e reaparecem nos mesmos sítios, ocupando, durante um tempo, estes espaços até que as condições mudem.

“Tinha plantado urtigas e língua de gato. E as leitugas, quando chega à altura... Quando vêm... é agora a época das leitugas... e a leituga é boa, aquela mais aberta...” - M

Os humanos, com os seus grandes gestos, são profícuos a transformar as condições de ecossistemas inteiros. Aqui na Adega, encontrámos uma pereira num balde a precisar de ser transplantada. Decidimos pô-la no centro deste patamar, o que instaurou uma grande mudança na dinâmica com as ervas pioneiras. Por pertencer a um estádio de sucessão ecológica tão afastado, tememos que causasse conflitos com algumas destas pequenas plantas. Procurámos então agentes que conseguissem fazer essa ponte diplomática. Rolámos algumas pedras para as extremidades do lugar, e à volta da pereira, para nos podermos sentar em conjunto a discutir as possibilidades de futuro.

Com benefícios tanto olfativos como gastronómicos, foi nas plantas aromáticas que encontrámos a solução para uma co-ocupação menos conflituosa. Os interesses de plantas arbustivas semi-lenhosas, não sendo os mesmos que os de uma grande árvore, aproximam-se das vontades da pereira: uma vida mais longa, capacidade de hibernação, produção de materiais lenhosos mais complexos, ciclos de nutrição mais distintos e mais longos. Plantaram-se então lavandas e alecrins, entre a árvore de fruto e as plantas pioneiras, para trazerem mais saúde, harmonia, estabilidade e possível longevidade ao sistema como um todo.

No entanto, sabíamos que, a longo-prazo, tudo isto se iria transformar. A pereira, tão adorada pelos humanos, não se reproduz sozinha como as plantas vizinhas. Descendente

do escalheiro (pyrus cordata), um tipo de pereira brava, foi selecionada ao ponto de produzir peras sem sementes, ou com as mesmas inviáveis.

“Eu de vez em quando, agora não, de vez em quando fazia aí uns enxertozinhos numa peça, numa macieira, que tirava pêras e o caralho... Dá! Dá para fazer uns enxertos. Mete-se uma coisa de plástico, um tubinho, terra...” - M

Um dia, se ninguém clonar esta árvore, enxertando um dos seus galhos noutra árvore mais jovem e vigorosa, a pereira ficará velha, eventualmente morrerá, e como entidade singular, irá desaparecer do sistema.

Já este taro que está aqui a poucos metros não tem esse problema. É um membro da família de um dos vegetais em cultivo mais antigos do mundo: Wia, Via, Vi'a, Bi'a, Bila, Bira, Birah, Bísə, Biha, Biga, Piga, Pia, Fia, Fira, Hira, Hila. Inhame. Do inhame, come-se a raiz, e do taro, a folha e o talo (se cozinhadas durante tempo suficiente). Plantámo-lo no mesmo canteiro. Nenhum deles depende de humanos para continuar o seu ciclo, e se os deixarmos em paz propagam-se de forma espontânea. O inhame foi selecionado com respeito pela autonomia da espécie. A pereira não.

Os ursos, os porcos e os pássaros que selecionam as frutas que comem, co-evoluem com elas. O interesse desses animais não é cuidar de plantas, é comer fruta. O interesse da planta é que esses animais de alguma forma propaguem as suas sementes. Os asiáticos que selecionaram o inhame e o taro desempenharam um bom papel como animais de verdade. Os europeus que selecionaram esta pereira defraudaram esse propósito.