TRAMA ARBUSTIVA

LIMPO

Do latim limpidus, “transparente, claro, nítido”, e do Grego lámpō, “reluzir, brilhar”. Relacionado com o proto-indo-europeu lehp “brilhar”, com o nórdico antigo leiptr “trovão”, e com os termos lituanos liepsnà “chama”, lópė “luz”, ou o letónio lāpa “tocha”. Originalmente, “arrasar por via da chama” ou, posteriormente, por qualquer outro meio que reduza a complexidade não compreendida de um sistema, simplificando-o para que fique mais claro à leitura ou navegação.

SIMPLES

Do latim simplex, literalmente “uma face” ou “uma dobra”, em que sim, deriva do sanskrit sam “junto,” ou samah “balanceado, similar, idêntico”; que é caracterizado por uma só parte indivisível. Ausência de conexões ou de relações complexas dada a inexistência de componentes suficientes para tal.

COMPANHEIRO

Do latim cum “com” e panis “pão”, paralelo ao latim gaulês companìo, por sua vez, decalque do germânico gahlaiba, de ga “com” e hlaiba “pão”; que denomina “pessoas que partilham pão”; ou generalizadamente, “que se sustêm em conjunto”, ou seja, que estão numa relação mutualista em que há a partilha radical de recursos essenciais à vida.


Quando cá chegámos, esta passagem estava coberta de muito crescimento verde, vigoroso, pontuado, no início e no fim, por duas espécies arbustivas: uma cerejeira (Prunus doméstica), a poente, e um loureiro (Laurus nobilis), a nascente.

“Cerejas. A cereja não não... ainda não comi nenhuma. E a cereja é grande... Os pássaros mamam tudo!” - A

Sendo elementos de interesse, que dão frutos e folhas aromáticas, sentimos vontade de os manter. Todo o restante, embora maioritariamente comestível, é geralmente visto como mato indesejável, principalmente em zonas de passagem: representando indefinição, perigo e receio.

“Um gajo, antigamente, cortava a erva, e ia tudo a eito! O gado se não comesse, fazia estrume.” - A

Limpar tudo entre a cerejeira e o loureiro é uma opção comum e requer que, pelo menos uma vez por ano, se juntem esforços para eliminar espécies que vão insistir em reaparecer. Muito trabalho para pouco proveito. E se, em vez de retirarmos algo que recorrentemente aparece, adicionássemos novos elementos no sistema? Passaríamos de uma ação negativa a uma positiva; complexificar em vez de simplificar.

Decidimos então vestir esta passagem com novas espécies arbustivas que definissem melhor o caminho, que estabilizassem o solo, e que preenchessem o espaço com produtos de interesse a longo prazo. Colher, em vez de limpar. O grande desafio foi evitar o caos, sendo que quando se adicionam elementos a um sistema, é possível que, em vez de complexidade e harmonia, se produza apenas complicação; relações conflituosas, competição, ineficiência e desperdício. Mas para além dos interesses humanos sobre o território, para o desenho desta passagem, tivemos que compreender a sociabilidade dos elementos não humanos.

O que é que uns e outros querem? Que interesse têm para a vida a longo prazo? Como é que reagem à dureza dos invernos e aos verões quentes? Tudo isto importa, pois a política feita no solo, entre as raízes de cada planta, vai privilegiar e beneficiar grupos diferentes dependendo de como forem geridos os recursos. Podemos quase falar em proto-ideologia. Quanto mais discordância houver nas ideologias de um lugar, maior será o conflito nas relações entre grupos e indivíduos. O objetivo não é resolver o problema com a instauração de uma ideologia fascista, única e monolítica, mas criar pontos de negociação entre interesses diferentes. Assim garantimos melhor que a diversidade seja promovida por meio de diálogo e de partilha.

Então, queremos pôr o loureiro a falar com a cerejeira, mas antes, temos que perceber o que é que já existe entre eles.

“Eram as malvas, havia aqui muitas malvas grandes, boas. Agora nem sei se isto... Às vezes ponho-me assim a pensar, e digo assim: “será que ainda são malvas?” O que conhecíamos eram malvas grandes...” - L

Encontrámos diversas espécies herbáceas micorrízicas, algumas das quais perenes; malvas, serralhas, ervas altas, funcho, silvas. Já não estamos a falar de ervas daninhas, competitivas, oportunistas e individualistas. Todas estas plantas já colaboram diretamente com fungos em simbioses mutualísticas. O que não se quer, neste caso, é o resultado volátil do comportamento de todas estas pequenas plantas durante um ano de crescimento e auto-semeio. Decidimos então plantar espécies maiores em menor número, para estabilizar a dinâmica nesta passagem e, ao mesmo tempo, guiar de forma mais precisa, a informação, a água e os nutrientes.

Alguns arbustos e árvores de pequeno porte são generalistas, trabalhando com uma variedade de espécies de fungos, enquanto outros são mais especialistas, e preferem conectar-se a uma ou duas espécies apenas. O loureiro, da família das Lauraceae (que inclui também os abacateiros) tem afinidades com fungos dos géneros Acaulospora, Claroideoglomus, Funneliformis, Rhizophagus e algumas espécies do género Glomus. Já a cerejeira, uma prunus da família das Rosaceae (que inclui as ameixeiras, os pessegueiros mas também as macieiras e as pereiras) partilha conexões com alguns dos fungos amigos do loureiro, mas desenvolve relações com fungos do género Gigaspora. Ou seja, dois dos géneros de fungos micorrízicos não são partilhados pelos arbustos que queremos conectar. Haveria alguma espécie que, aliando-se particularmente a esses dois géneros discrepantes, serviria de intermediário entre o loureiro e a cerejeira? Descobrimos que os pistacheiros e os hibiscos eram precisamente essas plantas.

Uma particularidade interessante é a que as espécies Gigaspora margarita e Glomus deserticola, que trabalham com os pistacheiros, são exímios capturadores de água durante o verão. Nesse tempo mais quente, se árvores como a cerejeira estiverem conectadas à rede fúngica através de pontos em comum, podem beneficiar dos serviços de verão providenciados pelos fungos que trabalham com as plantas de climas mais secos e quentes. Da mesma maneira, o loureiro, que faz fotossíntese durante todo o ano por ser de folha persistente, e a cerejeira, que entra em folha muito cedo no início do ano, podem fornecer açúcar à rede comum. Os hibiscos utilizam este açúcar prontamente para também conseguirem florescer mais cedo e com mais saúde.

Numa rede deste tipo, em que se procura o máximo de pontos em comum entre indivíduos, é possível desenvolver relações mutualistas com maior facilidade, e todos ficam melhor do que se estivessem sós, ou mal acompanhados. Desafiando os princípios estéticos do minimalismo, da limpeza e da simplicidade (forças vigentes na cultura ocidental contemporânea) o companheirismo dinâmico surge como ferramenta contra a modernidade.