Desenhar um curso é como criar uma narrativa.
Desenhar um curso é como criar uma narrativa.
Com o ponto de partida definido, traçamos o enredo, definimos momentos de passagem, fazemos pontes (entre teorias, práticas e aprendizagens), convocamos aliados/as para o caminho, deixamo-nos contagiar pelos seus contributos, desafiam-se conceitos, abrem-se espaços para o dissenso, procuram-se resoluções. No entanto, toda essa narrativa vai sendo um processo de co-criação, em que nos deixamos moldar pelos/as intervenientes, pelas necessidades que vão aparecendo, fazendo atalhos e desvios que se vão mostrando proveitosos para o grupo.
Esse caminho começou a ser traçado há três anos, quando nos tornamos parceiras do projeto RESTORE (2019-2022), que contemplava, entre outros resultados, a conceção e implementação de um curso piloto para “Social Theatre Operators”. Desde o arranque do projeto que fomos tendo vários debates com parceiros e diferentes interlocutores em torno da desconstrução e adaptação deste termo a um mais próximo à nossa prática – na verdade, todo esse processo de reflexão e discussão informou o próprio desenho do curso. A ideia de “facilitador/a de Práticas Artísticas Comunitárias” acabou por ser o termo mais aproximado para definir aquilo que fazemos e, consequentemente, o conhecimento e experiência que poderíamos partilhar enquanto PELE.
A partir daí, a sequência dos módulos de formação, tal como numa narrativa, foi cuidadosamente pensada para levar à experimentação de diferentes metodologias e abordagens, focadas no papel do/a facilitador/a em diferentes contextos. Integrando uma componente reflexiva e experimental, pretendia-se desafiar os/as formandos/as a experienciar e facilitar modos de criação coletiva, através da exploração e cruzamento de linguagens artísticas, enquanto adquiriam ferramentas introdutórias de desenho e gestão de projetos.
Após alguns períodos de dúvida e adiamentos devido às restrições pandémicas ainda em vigor (e na esperança de conseguirmos fazer o curso presencial), em novembro de 2022, abríamos as inscrições para o Curso de facilitadores de Criação Artística Comunitária. As mais de 75 candidaturas recebidas nas semanas seguintes, revelaram desde logo um interesse ampliado nesta área, por pessoas dos mais variados contextos académicos, profissionais e geográficos. As 24 vagas foram preenchidas por um grupo de pessoas provenientes de várias áreas de formação e com diferentes níveis de experiência em projetos artísticos comunitários.
Entre janeiro e abril, desenvolveu-se a primeira parte do curso, ao longo de 12 fins-de-semana intensivos, complementados com sessões online, nomeadamente de mentoria em pequenos grupos. A segunda parte do curso – “Experiência em contexto” – desafiou as/os formandas/os a facilitarem processos criativos, em pares/trios, com grupos de 11 instituições parceiras, aplicando e desafiando as metodologias aprendidas na primeira parte.
Ao longo de todo o percurso formativo, foram existindo espaços mais abertos – tais como as sessões coletivas e de mentoria - que pretendiam ser pontos de troca entre a turma, desafiando à partilha de inquietações e possíveis soluções, bem como a discussão de ajustes ao próprio curso. Esses espaços acabaram por ser vitais para o sentido de coletivo e coesão entre o grupo, bem como de integração das aprendizagens e desafios que foram surgindo. A diversidade de perfis dentro da própria turma potenciou a multiplicação das abordagens que foram sendo experimentadas e apropriadas, deixando sementes para a criação de uma rede de facilitadores/as.
Na mesma semana em que tivemos o encontro com os parceiros europeus para assinalar o fecho do projeto RESTORE (em Itália), reencontramo-nos com a turma para trocarmos impressões sobre os ecos que ficaram do curso e de onde se delinearam várias propostas de continuidade numa lógica de encontros mensais.
Desenhar um curso é como criar uma narrativa. E neste caso não fomos duas nem três cabeças a pensá-la, mas sim tantas quantas as pessoas que estiveram implicadas – os 24 elementos da turma, os/as 19 formadores/as, mentoras e produtoras que foram guiando o caminho, as 15 instituições parceiras que contribuíram para a concretização do curso e os cerca de 150 participantes das atividades desenvolvidas em contexto.
Ao longo do percurso, foram muitas as portas que se abriram, para acolher as diferentes demandas deste curso, entre as quais não podíamos deixar de agradecer:
- À ESMAE e à Junta de Freguesia do Bonfim, que nos cederam o espaço para as sessões de formação;
- Ao Teatro Nacional de S. João, que possibilitou que todos os grupos envolvidos fizessem uma visita guiada ao Teatro, apoiando ainda a iniciativa desenvolvida por uma das duplas, que culminou num Abraço dos Vizinhos do Teatro;
- E ainda a todas as instituições parceiras que se aliaram à PELE para acolher as “Experiências em contexto”, incluindo:
Agrupamento de Escolas de Corga do Lobão
AMARE - Associação de música, artes e espetáculos – Maia
Asas de Ramalde / Centro de dia Artur Brás - Porto
Associação O Meu Lugar no Mundo – Porto
Benéfica e Previdente / Casa Glicínias – Porto
Casa da Abóbora – Cinfães
Centro Social da Sé – Porto
Centro Social Soutelo / Projeto Na Praça! - Porto
Espaço T - Porto
Município Santa Maria Feira / Projeto Germinar - Arrifana
Santa Casa da Misericórdia Porto / Casa Abrigo Santo António – Porto
À falta de mais palavras para descrever esta narrativa, ficam alguns excertos das reflexões escritas e partilhadas pela turma e um vídeo-resumo das sessões do curso:
“Pensar o curso enquanto uma experimentação de diferentes “formas de estar juntxs”, compreendendo esse “estar juntxs” enquanto produtor de saberes que, ao fim, nos revelam uma cruel verdade: a de que não há fórmulas dentro deste trabalho.”
(...)
“Pontos de regresso: relembrar constantemente que a disponibilidade é um lugar de risco, um lugar de delicadeza, um lugar de escuta.”
(...)
“Quantas formas de escuta são possíveis?”
(...)
“Práticas coletivas significam cuidado com o outro”
(...)
“Encontrar novas definições e sinónimos de facilitador/a”
(...)
"Foi pelas questões (que ficaram a fervilhar), pelas provocações e pelas interrogações do que parecia um dado adquirido e se tornou num ponto de interrogação e de constante questionamento, para mim e para os outros."
(...)
“Acredito que com esta viagem, mudei práticas e olhares, sinto-me mais lenta, mais conectada com o meu corpo e com os diferentes sentidos do outro.”
(...)
“Sinto-me também mais corajosa para seguir com meus projetos.”
(...)
E hoje, passados sete meses, continuo sem palavras concretas para a viagem que nos levou a levantar voo, do qual ainda não aterrei.
(...)
Sensação de MISSÃO CUMPRIDA.
(...)
Foi um “mergulho” de agigantamento.