Do latim tripalium “três paus”, um instrumento de tortura utilizado para punir escravos e pobres destituídos de posses. Atualmente, refere-se a qualquer atividade produtiva realizada por entidades e processos humanos e não humanos em qualquer sector económico. Qualquer resultado da energia transferida pela aplicação de força, em ações, atividades ou processos transformativos.
EFICÁCIA
Do latim efficāx “poderoso, efetivo” a partir de efficiō “efeito” + -itās. Qualidade do que produz o efeito esperado, relativo a um objetivo concreto. Força para produzir determinados efeitos ou capacidade de produzir mudança; de transformar, como consequência de uma ação ou processo. Sempre comparativamente a algo mais ou menos eficaz.
EFICIÊNCIA
Do latim efficiens “ativo”, relacionado com facere “fazer” no sentido positivo; daí “que faz” de forma capaz. Qualidade inerente a um sistema, agente, ação, reação ou processo que transforma umas coisas noutras com o mínimo de perdas energéticas ou materiais, por forma a manter a entidade eficiente durante o maior tempo possível (em que perda não denota um desaparecimento de facto, mas uma mudança de estado ou de forma que implique uma redução de utilidade subjetiva).
Há mais de dez mil anos que os humanos cultivam alimentos de forma mais ou menos metódica. Este fenómeno teve a sua primeira expressão no Crescente Fértil, um território que hoje é ocupado pelo Iraque, a Turquia, a Síria, o Líbano, a Palestina e Israel. É difícil imaginar que uma das zonas do planeta que mais tem sido palco de graves conflitos e de destruição constante, terá, algum dia, sido fértil. O escombro sobre o deserto pleno parece senão a prova do contrário. A verdade é que a ruína é feita; a ruína teve sempre de ser construída.
Ao domesticarem certas espécies, os humanos que o fizeram domesticaram-se a si próprios também. Tornaram-se sedentários, e criaram novas formas de organização socioeconómica. Edificaram-se grandes e poderosos impérios sobre os excedentes destes novos modos de produção. Levantaram-se hierarquias cada vez mais acentuadas, vendo-se infinitesimalmente divididas e separadas as funções de cada corpo, de cada ação. Um corpo coletivo, mais pequeno, focado, ágil e coeso, cresce então ao ponto de se tornar num organismo grande e disperso, dispendioso, complicado, lento e extremamente frágil, por ser intrinsecamente incoerente. A esta escala, extrativismo e domesticação levam a história sempre ao mesmo resultado: um monumental colapso, certo e sabido, no final da linha civilizacional.
Talvez mais do que tudo, a escala importa. A escala prende-se com o tempo; com o tamanho dos ciclos; com a velocidade dos processos. A horta é um laboratório de domesticação. Em qualquer horta, cada gesto individual nunca é radicalmente diferente do que, há sete mil e quinhentos anos atrás, um certo humano terá feito na Mesopotâmia; abrindo a terra com uma alfaia rudimentar para lá enfiar sementes selecionadas de cereais ou leguminosas cheias de proteínas. A dimensão da operação é que pode desestabilizar os ciclos naturais da vida. Se for grande demais, selecionado demais, rápido demais, e carecer de recursos cada vez mais distantes, a escala começa a propor grandes desafios à eficácia do sistema e, subsequentemente, à sua sustentabilidade.
Embora não seja garantido que uma horta corra bem, só por ser pequena, há virtudes na pequena escala. Tudo depende de como é feita. A horta é um espaço de transição e transformação constante. Recebe materiais, transforma-os durante um período de tempo e deixa sair produtos. No entanto, o desafio está em garantir a diversidade e a produtividade típica das hortas bem cuidadas. Numa horta, todos os anos há uma certa disrupção que é necessária. Lavrar a terra, controlar a competição indesejada e regar muitas vezes no verão são ações que diminuem a fertilidade do solo. Então, neste sistema, a fertilização externa é necessária.
De onde vem a fertilidade e os materiais que a contêm? Haverá matéria orgânica por perto nas quantidades e diversidades suficientes que garantam o sustento desta horta?
“Há a terra que é só com adubo... Oh! eu cá não uso; uso muito pouco. Eu é só tudo estrume. Eu aproveito tudo que seja para a terra, até os papéis.” - M
E a água, será suficiente no verão? De onde vem e como é gerida?
“E choveu pouco. Se não chover mais...” - A
Se houver capacidade de a retermos nas proximidades, a água da chuva pode ser mais do que suficiente. À porta da Adega, há um tanque em que se lavava a roupa. Encontrámo-lo em desuso, cheio de entulho, e limpámo-lo para poder servir este novo propósito.
Embora se possam garantir os recursos materiais, ainda há o dispêndio de tempo e de energia.
“Eu vou para lá às oito horas até ao meio dia, e mais nada. De tarde eu não faço nada. Vou trabalhar todo o dia no campo? Foda-se... Ainda morria no campo.” - A
Se se compreender e aceitar o trabalho que dá produzir uma certa diversidade de produtos, em certas quantidades, de certas qualidade satisfatórias, ter uma horta biodiversa e fértil pode ser uma grande alegria.
“Eu dou aos vizinhos. Dou muitas coisas aos vizinhos. Os tomates, se for um ano que dê muitos, é tirar aos baldes e baldes de tomates...” - A
É prazeroso cuidar de coisas vivas e viçosas; faz bem relacionarmo-nos com uma variedade de cores, texturas e cheiros constantes. A diversidade pode ser aquilo pelo qual mais vale a pena trabalhar. Num sistema diverso, o colapso total é menos provável.
“Eu só vou comprar o óleo e o azeite, e mais nada... Eu tiro tudo do campo para comer.” - A
Mesmo que falhem certas parcelas, alguma coisa funcionará sempre, resistindo a disrupções e abalos, ultrapassando os desafios e propondo soluções diversificadas.
“Nós nunca passámos fome... O pai tinha ali um campo e tudo, e fazia, plantava coisas, e é o que ainda nos safava. Batatas, hortaliças, e tudo... Era o que nos ia safando.” - L
As doenças e as pragas têm maior sucesso em monoculturas, ou culturas em que a organização espacial é simples, por exemplo, através da repetição de linhas paralelas ou ângulos retos.
“O feijão... o feijão meto-o agora este ano. Vocês vêm aqui e vão ver. Agora vou meter, em rodas, mais a sol, um arco, uma roda... Em vez de estar a andar sobre o comprido e meter estacas, não...” - M
A horta biodiversa vai colocar desafios a qualquer força que venha para simplificar o sistema de forma descontrolada.
Por exemplo, as espécies da família das Aliaceae produzem químicos que espantam os predadores das espécies da família das Apiaceae e vice versa. Uma cebola e uma cenoura protegem-se mutuamente, mesmo que não falem uma com a outra. A sua presença e natureza é já suficiente para que isso aconteça. As flores das asteraceae são excelentes atratores de polinizadores (abelhas, escaravelhos e borboletas) e distraem certos insectos que seriam predadores das plantas que queremos comer. Para além das flores, nesta horta vimos crescer durante a primavera e o verão: tomates, pimentos e beringelas da familia das Solanaceae. Nabiças, couve, couve-flor e brócolos da família das Brassicaceae.
“A alface no tempo do meu pai parecia repolhos, isso lembro-me muito bem. Tinha - já era do tempo do meu avô - tinha uma cor daquela escurinha...” - L
Houve ainda pepinos, da família das Cucurbitaceae, que inclui também as abóboras, os melões, e as melancias. Já a família das Rosaceae fez-se representar na horta na forma de morangos.
“Era só couves, penca... Tomates, pimentos, tudo das épocas! Era o que a gente comia, não é?” - L
Contudo, independentemente de nos apaziguamos com o trabalho que dá uma horta, há desafios inultrapassáveis. Mesmo em escalas mais pequenas, a salvo de colapsos maiores, uma horta é uma entidade ambivalente; podendo ir de um passatempo frutuoso a um grande flagelo num piscar de olhos. Seguem-se dois exemplos para ilustrar a situação. De um lado, temos a couve galega (Brassica oleracea acephala), muito conhecida e apreciada internacionalmente pelos aficionados da horticultura, que é um membro primitivo da família das brássicas. Hoje, figura em virtualmente todas as hortas de norte a sul do país. Para além de ser a mais nutritiva das Brassicaceae em qualquer horta, não dá trabalho nenhum. Auto-semeia-se e cresce desimpedida durante vários anos. Produtiva e resistente, tolera grandes variações na quantidade de água e nos tipos de terreno. Não há grande coisa que possa correr mal com a couve galega. Ao lado desta espécie monumental, pode crescer outra couve, por exemplo, uma penca de Mirandela, que também é uma Brassica oleracea, mas mais selecionada, menos nutritiva, e mais suscetível a pragas e ataques. Por não ser perene, como a irmã, tem de ser semeada todos os anos, e requer um solo mais lavrado, o que chama logo pela enxada e costas curvadas.
“Às vezes sacho duas vezes ou três, conforme. O cebolo... Sacho para aí três vezes ou quarto.” - A
Há que cavar, preparar a terra, remover espécies mais robustas e competitivas, fertilizar, semear, regar, mondar, passar a vida a tratar das doenças.
“Vou ao loureiro, vou ao eucalipto, meto na água... E depois meto nas... na hortaliça.” - M
O horticultor terá de estar sempre atento à saúde da penca.
“Uma boa coisa para planta é as urtigas. Vinte-e-quatro horas... Depois, a partir daí, já começa a cheirar mal, e depois mete-se na couve, pá fogo...” - M
Ficará preocupado com a competição, e com os ataques constantes de lagartas, insetos, e fungos. Utiliza remédios caseiros com vinagre, sabão e sal que desestabilizam o equilíbrio da terra, perdendo a viabilidade de produção a longo prazo.
“Um gajo aprende com a própria natureza, se não, temos que ir lá para os cursos deles... Não é? Um gajo nos cursos não aprende nada. Aprende! Aprende! só que depois chega cá fora...” - M
Mesmo um agricultor com certificado orgânico, pode dirigir-se ao agrónomo recém formado e utilizar os famosos “oponentes biológicos”, recorrendo a concentrados da
bactérias Bacillus thuringiensis; cujos genes são introduzidos no milho e na soja transgénica, pela capacidade de produzirem inseticidas potentes. Pode também dispersar grandes quantidades de Steinernema carpocapsae, um nematóide parasítico de insectos, que por atacar indiscriminadamente qualquer artrópode, acaba por causar grandes desequilíbrios ao nível do ecossistema, só para salvar o raio da penca.
“Antigamente usava-se aquela coisa azul, como é que se chama? Sulfato azul com cal, era o que se usava antigamente.” - L
Há ainda uma geração anterior que compra o remédio na casa agrícola, pulverizando grandes quantidades de enxofre em pó, de produtos à base de cal e óxidos de cobre, ou ainda o fungicida lithothamne, ou inseticidas como a azadiractina.
“O remédio não presta, não mata...” - A
Aumentando a escala, estas práticas equiparam-se à natureza bélica dos processos que destruíram o que um dia já foi o crescente fértil. As políticas, os mecanismos, as tecnologias e os métodos são quase idênticos, só a escala muda.
“Tinha lá uma grande coisa de tomates, enganou-se na cal, queimou... Aquilo, aquilo já tinha anos de semente. Dessa vez queimou, pronto...” - L